quinta-feira, 21 de março de 2013

A Mão do Diabo


 
Excerto do livro de José Rodrigues dos Santos

Ø  Dialogo entre o primeiro-ministro e o ministro dos assuntos parlamentares portugueses, a propósito da preparação de uma lei – pelo segundo - sobre crimes de responsabilidade de titulares de cargos públicos.

 

...Às páginas tantas:

O primeiro-ministro impacientou-se.

Pois sim”, concedeu. “O problema, porém, mantém-se. Esta lei que andas a congeminar parece-me muito perigosa. É melhor parares com este disparate, ouviste? Não quero cá confusões.

Não te preocupes, Gonçalo”, respondeu o ministro dos Assuntos Parlamentares com uma risadinha. “Está tudo previsto.”

O que queres dizer com isso?

Olha só o que diz a lei”, disse, afinando a voz e preparando-se para ler. “A pena aplicável aos crimes de responsabilidade cometidos por titular de cargo político no exercício das suas funções poderá ser especialmente atenuada, para além dos casos previstos na lei geral, quando se mostre que o bem ou valor sacrificados o foram para salvaguarda de outros constitucionalmente relevantes ou quando for diminuto o grau de responsabilidade funcional do agente e não haja lugar à exclusão da ilicitude ou da culpa, nos termos gerais.

Fez-se um silêncio momentâneo na ligação telefónica.

Não percebi patavina”, confessou o primeiro-ministro.

O que raio quer isso dizer?

O seu interlocutor riu-se do outro lado da linha.

Isto está escrito num legalês propositadamente confuso para que ninguém entenda”, explicou. “É um palavreado jurídico que o escritório de advogados do Manel, o nosso ilustre deputado, arranjou como escapatória. Na prática, este artigo significa que ninguém será condenado por coisa nenhuma.

De certeza?”

Ó Gonçalo, francamente! Achas mesmo que eu ia parir uma lei que nos encravava a todos? Não, fica descansado! Mesmo que venha a pior das crises, vais ver que ninguém será processado, e muito menos condenado, pelo que quer que seja! Está tudo tratado. Continuamos inimputáveis.

Fez-se um curto silêncio momentâneo na ligação enquanto o primeiro-ministro digeria o que acabava de ouvir.

Vendo bem, acho que essa lei é muito importante para moralizar a vida política em Portugal”, sentenciou, a voz de repente serena. “Vou apresenta-la como uma reforma fundamental, destinada a credibilizar a atividade política no país, a prova que encaramos com seriedade e responsabilidade os nossos deveres para com os portugueses e não receamos as consequências dos nossos atos de gestão. Quem não deve não teme! É justamente por não devermos que não tememos apresentar uma lei como esta!

Uma gargalhada soou do outro lado da linha.

Primeiro-ministro que fala assim não é gago!

Excerto da Nota Final:

Trata-se de um problema geral e fundamental das nossas democracias. Na raiz de todas as dificuldades não estão as falhas ideológicas da direita e da esquerda, embora contribuam seriamente para elas, mas sim essa questão fundamental de os políticos porem a sua eleição à frente de tudo. É isso que viabiliza a corrupção no financiamento partidário e as interferências dos poderes económicos e financeiros nas decisões políticas, permitindo todos os joguinhos que põem os interesses particulares à frente dos interesses coletivos. É isso que leva os políticos a fazerem promessas irrealistas e a adotarem políticas despesistas que a prazo conduzem o país à bancarrota.

REFLEXÃO PESSOAL:

Subentende-se por este exemplo - entre outros, expostos no livro – que o facto de os políticos porem as suas eleições e reeleições à frente dos interesses dos seus países é um dos principais fatores que levaram, não só o nosso país, mas todo o planeta à crise!

Talvez para muitos dos caros eleitores que por ventura possam passar uma vista de olhos pelo meu blogue isto não constitua novidade, mas, com a exposição deste pequeno trecho deste livro e subsequente comentário pessoal, só quero alertar os mais leigos na matéria que pensem duas vezes antes de votar. É verdade que o problema não se fica a dever ao partido A ou B do país X ou Y, pois como se pode ler na Nota Final do autor, quando menciona Philip Roth, o qual afirma ser verdadeiro tudo que os comunistas dizem sobre o capitalismo e ser de igual modo verdadeiro tudo que os capitalistas dizem sobre o comunismo, poderia também ser verdadeiro procurar a solução para o problema, logo desde a campanha eleitoral, descortinando o mais moderado ou até humano de entre os vários líderes partidários, não?

Penso que sim!