Ø Dialogo entre o primeiro-ministro e o
ministro dos assuntos parlamentares portugueses, a propósito da preparação de
uma lei – pelo segundo - sobre crimes de responsabilidade de titulares de cargos
públicos.
...Às
páginas tantas:
O primeiro-ministro
impacientou-se.
“ Pois sim”, concedeu. “O
problema, porém, mantém-se. Esta lei que andas a congeminar parece-me muito
perigosa. É melhor parares com este disparate, ouviste? Não quero cá confusões.”
“Não te preocupes, Gonçalo”, respondeu o ministro dos Assuntos
Parlamentares com uma risadinha. “Está
tudo previsto.”
“O que queres dizer com isso?”
“Olha só o que diz a lei”, disse, afinando a voz e preparando-se
para ler. “A pena aplicável aos crimes de
responsabilidade cometidos por titular de cargo político no exercício das suas
funções poderá ser especialmente atenuada, para além dos casos previstos na lei
geral, quando se mostre que o bem ou valor sacrificados o foram para
salvaguarda de outros constitucionalmente relevantes ou quando for diminuto o
grau de responsabilidade funcional do agente e não haja lugar à exclusão da
ilicitude ou da culpa, nos termos gerais.”
Fez-se um silêncio momentâneo na
ligação telefónica.
“Não percebi patavina”, confessou o primeiro-ministro.
“O que raio quer isso dizer?”
O seu interlocutor riu-se do
outro lado da linha.
“Isto está escrito num legalês propositadamente confuso para que ninguém
entenda”, explicou. “É um palavreado
jurídico que o escritório de advogados do Manel, o nosso ilustre deputado,
arranjou como escapatória. Na prática, este artigo significa que ninguém será
condenado por coisa nenhuma.”
“De certeza?”
“Ó Gonçalo, francamente! Achas mesmo que eu ia parir uma lei que nos
encravava a todos? Não, fica descansado! Mesmo que venha a pior das crises,
vais ver que ninguém será processado, e muito menos condenado, pelo que quer
que seja! Está tudo tratado. Continuamos inimputáveis.”
Fez-se um curto silêncio
momentâneo na ligação enquanto o primeiro-ministro digeria o que acabava de
ouvir.
“Vendo bem, acho que essa lei é muito importante para moralizar a vida
política em Portugal”, sentenciou, a voz de repente serena. “Vou apresenta-la
como uma reforma fundamental, destinada a credibilizar a atividade política no
país, a prova que encaramos com seriedade e responsabilidade os nossos deveres
para com os portugueses e não receamos as consequências dos nossos atos de
gestão. Quem não deve não teme! É justamente por não devermos que não tememos
apresentar uma lei como esta!”
Uma gargalhada soou do outro lado
da linha.
“Primeiro-ministro que fala assim não é gago!”
Excerto da Nota Final:
Trata-se de um problema geral e fundamental
das nossas democracias. Na raiz de todas as dificuldades não estão as falhas
ideológicas da direita e da esquerda, embora contribuam seriamente para elas,
mas sim essa questão fundamental de os políticos porem a sua eleição à frente
de tudo. É isso que viabiliza a corrupção no financiamento partidário e as
interferências dos poderes económicos e financeiros nas decisões políticas, permitindo
todos os joguinhos que põem os interesses particulares à frente dos interesses
coletivos. É isso que leva os políticos a fazerem promessas irrealistas e a
adotarem políticas despesistas que a prazo conduzem o país à bancarrota.
REFLEXÃO PESSOAL:
Subentende-se por este exemplo -
entre outros, expostos no livro – que o facto de os políticos porem as suas
eleições e reeleições à frente dos interesses dos seus países é um dos
principais fatores que levaram, não só o nosso país, mas todo o planeta à
crise!
Talvez para muitos dos caros
eleitores que por ventura possam passar uma vista de olhos pelo meu blogue isto
não constitua novidade, mas, com a exposição deste pequeno trecho deste livro e
subsequente comentário pessoal, só quero alertar os mais leigos na matéria que
pensem duas vezes antes de votar. É verdade que o problema não se fica a dever
ao partido A ou B do país X ou Y, pois como se pode ler na Nota Final do autor,
quando menciona Philip Roth, o qual afirma ser verdadeiro tudo que os
comunistas dizem sobre o capitalismo e ser de igual modo verdadeiro tudo que os
capitalistas dizem sobre o comunismo, poderia também ser verdadeiro procurar a
solução para o problema, logo desde a campanha eleitoral, descortinando o mais
moderado ou até humano de entre os vários líderes partidários, não?
Penso que sim!